…Amílcar Cabral, 15:40. Semáforos off line, uma velhinha, – gosto de ver idosos, talvez por haver poucos a andar pela cidade - dois embrulhos, e eu. Ajudar ou não ajudar, eis a questão? Ajudar! Já do outro lado da estrada: "minha filha ieu moro no tarcheiro andar, ie rápido…". Pensei: velinha abusada (…) mas fui! Com a respiração ofegante pousei as sacolas na porta, já de saída, agarrou-me o braço e forçou o convite: “ientra filha, ao menos uma iagua”… guiada por um sei lá o que, aceitei, em vez da água, um café sem açúcar.
Instintivamente meus olhos pousaram sobre um monstro de ébano adormecido na sala: um velho mas belíssimo piano de cauda! “Posso”? Ela: "sim, sim, claro". E dedilhei (desafinado)… ela sorriu e disse: “tanho a história da minha vida guardada nas teclas deste piano” a frase me pareceu familiar, muito familiar, mas de onde?
BINGO!!!: O Jorge!!! Eu era menina de 14 aninhos e, conheci-o acidentalmente - dois dias antes da minha cerimonia de final do curso de música - na casa de um Eng. onde tive as primeiras aulas de computação num velho Machintosh. Falei da formatura e timidamente convidei-o também a ir ver-me tocar o "Ein feste Burg" de Martin Luther (o n. 323 CC-castelo forte) que eu havia ensaiado com muita dedicação, conduzida pelo Mestre Floriano.
Não sei, mas creio que o Jorge - recém chegado da Europa do Leste - já era músico, pois falou-me de harmónia e ritmo com muito apego e paixão. De entre muitas coisas lembro ter-me dito que “ as teclas de um piano têm muitas historias guardadas...”
O Jorge presenteou-me pela formatura, meu primeiro teclado electrónico, que neguei - porque meninas não pod(iam)em aceitar presentes de pessoa que não era conhecida do Papá e da Mamá.
Passarm-se pouco mais de 15 anos , e aqui estou: um piano velho, uma velha, e as lembranças do Jorge… que dizem continuar na cidade e tocar por ai numa banda de engenheiros…
talvez um dia volte a visitar a velha e seu piano (talvez não), talvez me arrependa de não ter perguntado que histórias têm as teclas do piano da velha... Mas o momento é nostálgio, lembranças do Jorge, que dizem, ainda tocar na cidade numa banda de engenheiros... o Jorge...
3 comentários:
Talvez...apenas um sorriso na incognita desse final que a deus pertence.
Bjs meus
De facto fica o sabor amargo de ter abandonado a sala, a velha e o piano sem saber mais desses 3 elementos que de certeza compõem uma eterna melodia que jamais será tocada pela velha mas q, com a presença ainda q espiritual do Jorge, poderia ou deveria ser tocada por ti. volta para lá e acaba com essa curiosidade q ficou em ti e se espalhou por mim.
Não há de quê, gostei muito deste espaço, muito mesmo.
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