terça-feira, março 20, 2007

EM NOME DA LEI I


Perdeu o sono de madrugada e leu as 125 páginas de Memórias do Cárcere. Embrulhado em um roupão azul andou pela casa, apenas ouvia-se o tilintar do relógio na parede, e o leve ruido das chinelas sob o chão de madeira. Fixou o olhar no telefone e sem pestanejar discou 222..., após alguns segundos de espera, ao invés de um aló, surpreendido ouve a poesia de Manuel de Novas, na voz de Cesária Évora :


Mãe qu'tê'me na ventre


Dá-me nhá direito di nasce


Pai quande 'm nasce


Dá-me nhá direito di vivê....


a música o fez chorar, veio-lhe a memória a lembrança de como "em nome da lei" ela havia se tornado importante em sua vida... lembrou-se então do telefonema numa tarde de sábado, em como os sentimentos nele se misturaram a alegria de poder ser novamente Pai, a tristeza por não saber o que aconteceria depois daquilo... ainda perdido em pensamentos encostou-se no banco alto a beira da janela, e soltou o gancho do telefone... caminhou novamente até o quarto ao lado, vestiu-se e minutos depois já ao volante e com os olhos ainda marejados de lagrimas - aquela imagem em nada lembrava o Juiz sábio e sereno respeitadissimo por sua classe e por toda cidade. Através das portas de vidro do 513 da António Barreto via-se um grande relógio que marcava 4.30, empurrou-as de leve, ignorou o guarda que adormecia sob o balcão da recepção e entrou, proximo ao elevador uma frase escrita na perede: "Cada homem julga bem as coisas que conhece", desviou o olhar e premiu o botão do elevador, com o olhar fixo no espelho, reflectia a respeito da lei, pensava em seu papel de Juiz enquanto atendedor das necessidades do povo, mas atender necessidades nem sempre é garantir a felicidade deste povo [...] apesar de tudo : "que prevaleça a lei" falou em voz alta com o elevador ja parado no 11º andar. Noventa e dois Kg divididos em quase dois metros de altura moveram-se a passos largos em direcção ao final do corredor...

segunda-feira, março 12, 2007

Diálogos III ( Eu, Ela, Matemática &Vida)







Depois de uns dias sumida, novamente eu e Ela nas ruas da capital (Eugénio de Castro, J.Anchieta…Cabral Moncada) em mais um de nossos encontros sempre com um que de recomeço, de partilha, de cumplicidade. Sobre a chuva miúda andamos de mãos dadas, ela tentou voltar ao nosso último diálogo, mas eu não me vi confortável em faze-lo, minutos depois aproveitando a deixa de uma parede pinchada, passou então a falar de matemática. Falou-me de como os números a fascinavam, de como sempre gostara de matemática… eu olhei-a profundamente e confirmei: “…entendo, a matemática confunde-se contigo…” (connosco, falei em silêncio)
- Ah. Percebes?? - interreompeu-me- Óptimo, vês que como ela (a matemática) eu carrego comigo a angústia de não ser compreendida, mas por outro lado, a frieza e a lógica matemática vem me servindo de aliados… a matemática sempre me força aos pontos de descontinuidade, da minha vida com a de outros - veja bem- outros!! assim deixo de ser simples icógnita da mesquinha equação linear da vida...



Ela ainda falava, eu tentava compreende-la enquanto reflectia sobre a descontinuidade matemática.

Eu, também adepta dos números, comecei então a dizer que mais do que a complexidade matemática a vida é também poesia, são letras...


Antes mesmo de terminar minha fala, Ela forçou o rosto contra o meu e perto do meu ouvido disse: "...Adeus, um dia falo-te da Tragédia da Matemática"

...já sozinha, e ainda sob chuvisco, voltei ao começo do quarteirão e sentei-me frente a parede pintada, de olhos cravados na equação matématica, a voz dela martelava-me o pensamento:"... adeus, um dia falo-te da tragédia matemática, adeus, um dia..."



quinta-feira, março 01, 2007

DIALOGOS II (BLACKBIRD)



...hoje dialoguei com ela, como sempre me fascina e me intriga, e fascina muito, falou-me das bocas distintas que ja beijara, dos corpos diferentes que com ela testemunharam o nascer do sol, dos desejos incontrolávies, da fúria e da sedução, mas lá pelo meio do diálogo, falou-me que tudo acabava em solidão, que o desejo intimo nunca era satisfeito, esses corpos eram só corpos que não atingiam a alma, as bocas eram superfícies gélidas, apenas canal de fluídos, eles sempre querem o gozo momentaneo... Sentada ao meu lado ela ainda divagava em suas "memórias" e eu esforçava-me a ouvi-la, enquanto isso lembrei-me do CD que ontem comprei The Essential II, de Joe Cocker. Ela tinha o olhar sobre mim, resolvi então dizer algo, mas aproveitando-se do sinal vermelho, apressou-se a sair do carro - do mesmo jeito arriscado com que levava a vida -, ... eu continuei minha jornada, perdida em pensamentos, concentro-me entao em "bye bye blackbird" e penso em tí, penso com intensidade, penso nas n vez que o mar, o céu,a vida nos levaram para menos perto de nós... e junto com Joe vou singing low: "bye, bye blackbird...

Black up all my care and woe/ Here I go/ Singing low, Bye bye blackbird/Where somebody waits for me,Sugar's sweet, so is she
Bye bye Blackbird!No one here can love or understand me/Oh, what hard luck stories they all hand me,Make my bed and light the light/I'll be home late tonight/Blackbird bye bye
Pack up all my care and woe/Here I go/Singing low, Bye (bye) bye (bye) blackbird/Where somebody waits for me,Sugar's sweet, so is she/ Bye (bye) bye (bye) blackbird.
No one here can love or understand me/ Oh, what hard luck stories they all hand me,Make my bed, light that light/I'll be home late tonight/Blackbird...
Make my bed and light the light/I'll be home late tonight, Leave you bird jet in the sky/Toodle / Farewell!Bye bye!
We'll take the flying little blackbird bye!