terça-feira, setembro 12, 2006

NETO, O POETA EM MIM

*Ana Mathaya( In JA 2004-09-19)
Ontem, em minha hora nostálgica, voltei aos anos da leda infância, aqueles anos em que a curiosidade me movia à leitura de qualquer coisa, bastavam ser letras. Aproveitando-me da distracção do meu velho pai, pegava então o "Textos Africanos" para, à sombra da bananeira, ir lendo e relendo. Da prosa à poesia, eu devorava as páginas, vivendo os meus sonhos de criança confundidos com o pregão da quitandeira: Minha senhora, laranja, laranjinha boa... Assim foi o meu primeiro contacto com Agosti-nho Neto: O POETA!Anos depois, vi-me impulsionada a iniciar uma corrida em busca do conhecimento da arte e da poesia feita no nosso negro continente e no mundo. Passei pela mão de professores cultos e inteligentes, tais como o ex-padre Pinto João Kiala, o saudoso professor Mesquita Lemos - este que leu como ninguém " O Choro de África"! - e ainda o meu próprio pai, com os seus sermões marcados pelo estilo poético.Com o passar dos anos, optei pelas ciências quânticas, mas, ainda assim, não deixei para trás o gosto pela palavra, pela poesia. Mergulhei no mundo sofrido de Florbela Espanca, na poesia geórgica de Virgílio e Milles, li Leopold Senghor, Drummond, Vinicius, Maymona, deleitei-me com as lamúrias do amigo Mayindu, conheci tantos outros poetas, mas, de tudo isso, a poesia de Neto foi a que mais me marcou. Sempre repeti os seus versos com prazer e incorporei as suas palavras na minha vivência. Como ele, brinquei nos arraiais ao meio dia, como ele, inventei um amigo: o Mussunda. E a ele escrevi vários versos, mesmo sabendo que Mussunda não os entenderia. Ainda na leda infância, como Neto, caminhei no mato e lá me deparei com o soldado desconhecido da humanidade, aquele de quem não se exigem glórias!!!Mas foi pensando n´alguma glória, que, como Neto, atravessei o mato, passei pela fronteira do asfalto e enfrentei o mundo e reinventei o meu desejo de ser, sempre confundida com a minha própria existência.O tempo passou, muita coisa mudou, tornei-me íntima de vários poetas e muito cedo vi-me provocada a escrevinhar os meus próprios poemas, mas a minha paixão pela poesia de Neto permaneceu intacta. E hoje, quando passo pelas ruas e vejo as homenagens ao político, é inevitável separá-lo do Poeta Imortal - o meu poeta - cujos versos atravessaram Kaxikane, passaram pelos bairros escuros dos pobres, cruzaram os Zaires e Calaharis e hoje se fazem presentes nos grandes centros de letras, no além mar. A poesia que um dia alimentou a esperança do guerrilheiro em busca da independência, hoje continua alimentando as esperanças de milhares de angolanos espalhados pelo mundo! Continua acariciando sensibilidades, continua a falar aos corações e dos mares e oceanos soa ardentemente o clamor,: "HAVEMOS DE VOLTAR!". E nós, nós voltamos África, voltamos Angola, voltamos para recriar pureza e justiça, voltamos para dar à humanidade os sorrisos que ela nos pede. Voltamos à terra que nos viu nascer e crescer. E quiçá, como Neto, o Poeta, não escrevamos todos juntos um poema solução: "...um poema que não sejam letras, mas sangue vivo em artérias pulsáteis de um universo matemático, e sejam astros cintilantes para calmas noites de invernos chuvosos e frios... amizade para corações odientos... cântico harmonioso para formosura dos homens..." das mu - lheres, das crianças!!!Assim tem sido minha existência. Trago Neto em mim, mais ainda: os seus caminhos poéticos! E hoje, quando Angola lembra o Guia Imortal, eu, com os olhos secos, recordo os meus sete aninhos e recrio Neto, o Poeta imortal. Aquele que, de Kaxikane, espalhou e continua espalhando poesia pelo mundo! Ao lado da memória do político, do médico, não menos importante, permanece e permanecerá a memória do POETA, o Meu Poeta: Agostinho Neto!!!!

1 comentário:

Anónimo disse...

Lido este texto,
Quero
Dormir como pedra lançada ao poço
pra não dizer nada.
e
Não direi nada
Ainda que me... não direi nada.

Amiga. Estou encantado. Quero dizer-te que preparo neste momento em que leio teu texto uma dissertação sobre vida e obra de Neto e me pergunto: Que dizer? -Que não foi dito ainda sobre Neto?
Vou juntar Biografia (poesia e luta).

Soberano